Muitas pessoas quando não entendem franzem a testa, mas você sorri.
Doctor Who sempre foi sobre brilho nos olhos. O encantamento diante de novos mundos e de velhos tempos sempre fez parte das aventuras do Doutor e de seus companions ao longo dos mais de 50 anos da série.
The Pilot, primeiro episódio da décima temporada da série moderna, também é sobre essa capacidade de deslumbrar-se diante do desconhecido. Uma estrela solitária está literalmente no olho de uma personagem, mas todas as estrelas do universo estão nos olhos de Bill Potts.
O episódio é sobre ela, a aguardada nova companion interpretada por Pearl Mackie. Com seu enorme e constante sorriso e seu sotaque tão inglês, percebemos logo de cara que estamos diante de uma companion divertida e cheia de vida, mas que tem seus próprios medos, anseios e sonhos, e seu próprio passado.
A garota que trabalha na cantina da universidade e assiste às aulas do Doutor mesmo sem ser aluna lembra bastante a dinâmica de companions da era Davies – época do Nono e do Décimo Doutor – quando as personagens eram figuras com as quais era mais fácil se identificar, companions mais “gente como a gente”.
Curiosa e encantada, Bill acrescenta ainda um divertido aspecto de metalinguagem ao falar sobre coisas que assistiu na Netflix e relembrar aspectos clássicos de sci-fi, deixando claro assim, a preocupação da série em se relacionar com uma nova geração de fãs.
Esses elementos de identificação e apresentação para novos espectadores ficam ainda mais evidentes quando Bill faz as perguntas e suposições óbvias de quem se depara com a Tardis pela primeira vez. “Onde fica o banheiro?” “Porque a nave é toda tecnológica e porta é de madeira? Faltou grana?” Questões que surgem naturalmente na cabeça de quem assiste Doctor Who pela primeira vez.
Nesse sentido, The Pilot se assemelha bastante com Rose, o primeiro episódio da série moderna exibido em 2005, que ao apresentar a companion, também apresenta a figura do Doutor e da série como um todo.
Em The Pilot, por exemplo, vemos que a relação do Décimo Segundo Doutor (Peter Capaldi) com Nardole (Matt Lucas) já está estabelecida numa certa “broderagem”, um elemento bem interessante se considerarmos que a presença de um companion masculino era pouco presente na série em suas temporadas mais recentes.
Também descobrimos que o Doutor hesita em se aproximar mais de Bill porque fez uma promessa de não se envolver de novo. Uma promessa que, a julgar pelos retratos que guarda em sua mesa, se baseia como sempre nas pessoas que marcaram sua vida e se foram.
As fotos de River Song e de sua neta Susan, companion de sua primeira encarnação, aquecem os corações dos whovians ao mesmo tempo em que aumentam as expectativas por mais e mais elementos da história de toda a série.
No próprio episódio, mais referências surgem com a presença de quase todas as chaves de fenda sônicas que o Doutor já usou, e com o emocionante momento em que o Doutor quase apaga as memórias de Bill e que remete imediatamente ao adeus não só da Clara, como também o da Donna. (Nunca vou superar o fim de Journey’s End. Nunca!)
Algumas referências, no entanto, são bastante subaproveitadas no episódio. É o caso da guerra entre Daleks e Movellans abordada em uma arco do Quarto Doutor e que em The Pilot aparece de modo bem rápido e desnecessário na busca por fugir do vilão do episódio.
A figura que serve de antagonismo nesse episódio de estreia da décima temporada é bastante limitada, pois serve muito mais como apoio ao desenvolvimento da Bill como personagem do que como vilão propriamente dito.
A presença de Heather (Stephanie Hyam) e da substância inteligente que assimila, no entanto é interessante não só por apresentar a homossexualidade da companion de maneira sutil mas consistente, num elemento de representatividade sempre bem-vindo. Mas também para mostrar as características e força da Bill ao assumir o protagonismo na resolução da trama ao perceber o peso e os efeitos das promessas que fazemos e que nos fazem.
Ainda que The Pilot não seja um pé na porta estrondoso como foi a estreia da nona temporada, é sim um episódio bom dentro dos padrões de Doctor. Além de fazer uma excelente apresentação de personagem, reforçando o aspecto de renovação que é a essência de Doctor Who.
Nesta temporada que é a última de Steven Moffat como showrunner e a última de Peter Capaldi como Doutor (preparem os lencinhos e os corações), o que vimos em The Pilot prepara o terreno para mistérios que devem ser resolvidos ao longo da temporada – sim, a gente quer saber o que tem naquele cofre com inscrições em gallifreyan. Mas mostra, acima de tudo, que tempo e espaço estarão refletidos no curioso olhar de Bill Potts, porque já temos na Tardis uma nova estrela em nossos olhos.